eu, mae


se eu nao tivesse tido um filho, certamente que eu teria perdido o prumo, o rumo, o fio da meada e so deus sabe onde eu teria ido parar. como uma boa aquariana, aventureira desprendida, possivelmente teria viajado muito pelo mundo afora, mas tive a oportunidade de fazer esta viagem infinita.
ja havia atravessado o atlantico duas vezes em veleiros. experimentei moradias curtas em porto rico e paris. agora iria navegar por outros mares. em 1983, fruto de uma paixao louca (pleonasmo?), engravidei. decidi que, embora a relacao com o pai fosse uma especie de “nosso amor nao deu certo, gargalhadas e lagrimas”, iria ser mae. tinha 22 anos.. ja morava sozinha e tinha um bom e interessante emprego numa afiliada da globo em fortaleza. a novela com a lidia brondi fazendo papel de mae-producao-independente ainda nao tinha comecado a passar, mas eu ja estava com a minha producao independente encaminhada. com o privilegio de ter uma familia super bacana, encarei a empreitada.
tive uma gravidez bem saudavel (mesmo nao tendo parado de fumar) apesar de trabalhar feito uma louca. bruninho nasceu de um parto cesariana, depois de todos os esforcos para ter parto normal. eu era natureba e queria parir de cocoras. fiz curso de respiracao e tive um cuidado alimentar impecavel. depois de mais de 6 horas em processo de dilatacao, fomos ao passo seguinte, o da explulsao. mas a cabeca nao passava nas ancas estreitas desta mulher de 1m48cm. quando pensou-se na posssiblidade de tira-lo com a ajuda de ferros, optei pelo corte. sem trauma.
amamentei durante um ano e meio. era a coisa mais maravilhosa ter aquele bebezinho lindo chupando loucamente meus peitos. quando voce ouvir alguma mae dizendo: “ele nao quer parar de mamar”, nao acredite. quem nao quer parar somos nos. eh bom demais. e tem o lado pratico. nunca fiz uma mamadeira de leite na minha vida e nossa bagagem era minima.
larguei o bom e interessante emprego porque nao aceitei a possiblidade de deixa-lo com uma baba e perder a viagem de acompanha-lo todas as horas. eles passam o resto da vida “grandes”. essa fase dos primeiros 3 anos era uma oportunidade de me reeducar, rever e ganhar novos valores, e eu nao quis perder isso.
aluguei meu apto e fui morar num sitio com uma amiga que tambem tinha parido ha pouco tempo. distante 80 km de fortaleza, o primitivismo fazia parte do lugar: nao tinhamos energia eletrica nem agua encanada. mas nao pense que a vida era dura por isso. pelo contrario, tinhamos a mordomia de ajudantes para os servicos bracais, e eu passava o dia inteiro dedicada tao somente a curtir essa viagem. quando o bruno dormia, ouvia-se o tilintar das moedas do I ching. era meu estudo de filosofia.
a vida intinerante seguiu-se ate 1986. da serra da palmacia nos mudamos para praia das goiabeiras, um bairro na periferia de fortaleza. desta vez na companhia de outra amiga que tinha 2 filhos um pouco mais crescidos. la montamos uma “mini-fabriqueta” de bolsas, mochilas e outros acessorios. eu cortava e administrava o orcamento e ela costurava. valia tudo pra trabalhar dentro de casa e continuar por perto.
nao durou muito, alguns meses depois estavamos indo pra franca. fomos morar em nantes. casa, comida, trabalho e um “marido” que nao estava nos planos. risos. ele era um amigo maravilhoso com quem fiz as viagens de veleiro, e quando la chagamos, ele estava a espera da familia pronta. porque nao tentar essa vida conjugal sem muita paixao? ele estava construindo um novo veleiro, e eu o ajudaria na construcao. serra eletrica, lixas, verniz, madeira e tintas passaram a fazer parte da minha vida. comparava o trabalho de tranformar tecido em bolsas com o corte da folha de compensado se transformando em camas, mesas e etc.
o inverno rigoroso e a saudade me levou de volta pro brasil alguns meses depois. dai em diante fiquei mais quieta. se eh que isso eh possivel. olhe onde estou agora.
bruninho cresceu com saude invejavel. minha mae nao se conformava dele nao ter “um medico”. e eu dizia: “mas mae, ele nao fica doente, como eh que vai ter medico?” claro que quando era bebe foi acompanhado por um pediatra, homeopata. cresceu sem precisar de remedios. nunca teve uma dor de garganta e o primeiro antibiotico que tomou foi aos 8 anos pra curar uma neglicencia.
sou uma mae satisfeita. onde investi e depositei minha atencao, carinho e amor, ve-se o resultado. onde falhei tambem eh visivel, mas pelo que me consta ainda nao nasceu nem mae nem filhos perfeitos.
aqui estou eu morando longe da minha cria desde fevereiro do ano passado. estive no brasil 2 vezes e agora seria o momento dele vir conhecer a vida por aqui e decidir onde queria morar. ele nao vem. continua la com muitos km nos separando. (e essa maravilhosa internet encurtando esta distancia).
e cá estou eu, carente, desabafando num blog quilométrico.

7 comentários em “eu, mae”

  1. Lilia, que linda tua vida, tudo aqui, aberto para a gente conhecer. Como te admiro, mulher.
    Mas eu estou aprendendo contigo. Ainda falarta muito, mas chego lá. Obrigada por tudo, por todo o amor, por toda felicidade que eu descobri ser possível de ter atravás de ti.
    Fica com Deus, beijos. Ah, que Deus abençoe teu Bruno, que deve ser tão amado como a mãe.
    🙂

  2. L’ilian,
    Estava ‘ passeando’ na Internet e encontrei seu website.
    Tambem sou cearense e estou longe da minha terra e o que me trouxe at’e aqui- a Austr’alia- foi tambem um amor.
    Mas, o que me tocou bastante foi saber que voce tambem est’a longe do seu filho.Eu tambem! Dos meus dois filhos: Thoma e Thiago .
    Encontrar sua historia num momento tao dificil para mim( acho que estou atingindo aquela fase do ” nao consigo mais ficar longe deles” ) foi muito especial.Obrigada!!
    e boa sorte com o visto do Bruno!

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